Pessoalmente, considero extremamente valioso o conselho a respeito de sofrimento que o grande estudioso e santo indiano Shantideva nos deu. É essencial, disse ele, quando se enfrentam dificuldades de qualquer espécie, não se deixar paralisar. Quando isso acontece, corremos o risco de ser totalmente esmagados por elas. Em vez disso, utilizando nossas faculdades críticas, devemos examinar a natureza do problema em si. Se descobrimos que existe a possibilidade de resolvê-la por algum meio, a ansiedade é desnecessária. A atitude racional deve ser então dedicar toda a energia para buscar esse meio e em seguida agir. Se, ao contrário, verificamos que a natureza do problema não admite solução, não há por que se preocupar a respeito. Se nada pode mudar a situação, preocupar-se só piora as coisas. A abordagem de Shantideva pode parecer um tanto simplista fora do contexto da questão filosófica em que aparece como ponto alto de uma complexa série de reflexões. Mas sua verdadeira beleza está nessa mesma simplicidade. E ninguém contestaria seu absoluto bom senso.
Quanto à possibilidade de o sofrimento ter realmente algum propósito, não vamos falar disso aqui. Mas basta pensar que, se a nossa experiência de sofrimento nos ajuda a compreender a experiência de sofrimento alheio, ele serve como um poderoso estímulo para se praticar a compaixão e evitar causar dor aos outros. E, à medida que o sofrimento desperta nossa empatia e nos une aos outros, ele pode servir como base para a compaixão e o amor. Isso me faz lembrar o exemplo de um grande estudioso e religioso tibetano que passou mais de vinte anos na prisão suportando um tratamento dos mais terríveis, sendo até torturado, depois da invasão de nosso país. Naquela época, alguns dos seus alunos que tinham escapado para o exílio costumavam contar-me que as cartas escritas por ele e levadas clandestinamente para fora da prisão continham os mais profundos ensinamentos sobre amor e compaixão que já tinham visto. Os acontecimentos infelizes, apesar de serem potencialmente uma fonte de raiva e desespero, podem da mesma forma transformar-se em fonte de crescimento espiritual. O resultado vai depender de nossa forma de reagir.
Copyright © 1999 by Dalai Lama ('Uma ética para o novo milênio' - 6.a Edição - Ed. Sextante) Todos os direitos reservados. All rights reserved.
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