quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Lições para 'o caminho' [Km 237]

Tripalium versus poiesis

A ideia de trabalho como castigo precisa ser substituída pelo conceito de realizar uma obra.

Por que muitas vezes a ideia de trabalho é associada a castigo, fardo, provação? Do ponto de vista itimológico, a palavra "trabalho" (assim como em francês, espanhol e italiano) tem origem no vocábulo latino tripalium, que era um instrumento de tortura, ou seja, três paus entrecruzados para serem colocados no pescoço de alguém e nele produzir desconforto.
...O trabalho como castigo persiste. Tanto que a maior parte das pessoas diz: "Quando eu parar de trabalhar, eu vou fazer isso, isso e isso". Sendo que isso é uma ilusão, porque você pode dizer: "Quando eu não tiver dependência em relação ao trabalho, eu vou fazer isso". Mas parar de trabalhar, você não vai parar nunca. Nem pode. Porque você nunca deixará de fazer a sua obra. Seja a sua obra aquela que você faz para continuar existindo, seja para ter o seu reconhecimento. Eu me vejo naquilo que faço, não naquilo que penso. Eu me vejo aqui, no livro que escrevo, na comida que preparo, na roupa que eu teço.
Etimologicamente, a palavra "trabalho" em latim é labor. A ideia de tripalium aparecerá dentro do latim vulgar como sendo, de fato, forma de castigo. Mas a gente tem de substituir isso pela ideia de obra, que os gregos chamavam de poiesis, que significa minha obra, aquilo que faço, que construo, em que me vejo. A minha criação, na qual crio a mim mesmo na medida em que crio no mundo.
Vejo o meu filho como minha obra, vejo um jardim como minha obra. Tenho de ver o projeto que faço como minha obra. Do contrário, ocorre o que Marx chamou de alienação: todas as vezes que eu olho o que fiz como não sendo eu ou não me pertencendo, eu me alieno. Fico alheio. Portanto, eu não tenho reconhecimento. Esse é um dos traumas mais fortes que se tem atualmente.
Todas as vezes que aquilo que você faz não permite que você se reconheça, seu trabalho se torna estranho a você. As pessoas costumam dizer "não estou me encontrando naquilo que eu faço", porque o trabalho exige reconhecimento - conhecer de novo.
Hoje, quando penso em um trabalho de qualidade de vida numa empresa, estou pensando em um trabalho que não seja alienado. Trabalhar cansa, mas não necessariamente precisa gerar estresse. Isso tem a ver com resultado, trabalho tem sempre a ver com resultado.
Por que um bombeiro, que não ganha muito e trabalha de uma maneira contínua em algo que a maioria de nós não gostaria de fazer, volta para casa cansado, mas de cabeça erguida? Por causa do sentido que ele vê no que faz. Por causa da obra honesta, a serviço do outro, independentemente do status desse outro, da origem social, da etnia, da escolaridade, etc.
Aí, não é suplício.

Copyright © 2007 by Mario Sergio Cortella ('Qual é a tua obra?', Ed. Vozes, 2007) Todos os direitos reservados. All rights reserved.

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