Dúvidas do cotidiano
(Flávio Gikovate)
As pessoas comentam que a paixão, aquele estado inicial do encantamento amoroso no qual o coração bate forte e tudo parece fascinante e assustador ao mesmo tempo, corresponde ao período mais interessante do relacionamento amoroso. Depois, com o passar do tempo, tudo tende à rotina e a uma certa monotonia já que a intensidade do amor diminui. É mesmo assim que as coisas acontecem?
Resposta: Penso de um modo diferente sobre o amor e a paixão. Acho a paixão uma condição dolorosa e na qual passamos muito medo: medo de perder aquela pessoa que, apesar de mal conhecermos, se transformou em essencial para nosso bem estar e felicidade; medo também que a relação evolua, condição na qual os compromissos mais sérios podem não estar nos nossos planos para aquele momento da vida; enfim, medo de um grande sofrimento, já que toda constituição de um elo é o embrião de uma possível ruptura! O amor, condição que se segue, corresponde a uma situação na qual os medos diminuíram muito tanto porque já conhecemos melhor o amado e desenvolvemos alguma segurança no relacionamento como porque já aceitamos de nos comprometer. Assim, paixão é amor + medo. Com o fim da paixão, vai embora o medo e o amor se mantém igual. Com o fim da paixão, acaba o filme de suspense e começa o filme de amor, mais calmo, mais doce. Amor é paz e aconchego ao lado de uma outra pessoa. Não é monótono e nem chato, mas é só isso. Acho ótimo que seja assim. Acho que temos que aprender a buscar nossas emoções mais fortes em outras áreas ao invés de tumultuarmos nossas relações amorosas. Vivenciamos tensões fortes e grande incerteza na vida prática, no trabalho, nos esportes etc. No amor, devemos buscar nosso porto seguro, adorável se houver companheirismo e afinidades intelectuais, além, é claro, das deliciosas sensações que as trocas de carícias eróticas determinam.
Como definir uma pessoa má? Trata-se de uma característica inata ou é algo que foi adquirido ao longo dos anos de formação? Como ajudar alguém a evoluir moralmente?
Resposta: Trata-se de uma questão muito complexa, mas eu penso que, para a grande maioria dos casos, a maldade é filha da fraqueza. Ou seja, não acredito que existam pessoas que gostem de ser más e se orgulhem disso. Atos maldosos são, quase sempre, derivados de emoções que escaparam do controle da pessoa, especialmente aqueles que dependem da inveja: ao admirar e valorizar algo em outra pessoa, a criatura mais fraca se sente diminuída e humilhada pela presença daquela virtude. Não sendo capaz de se conter, reage violentamente ao que foi sentido como uma agressão – a presença, no outro, da qualidade admirada e não possuída. Pessoas imaturas, egoístas e pouco tolerantes a contrariedades e frustrações é que fazem parte daquelas que chamamos de más, justamente porque investem contra nós sem que tenhamos feito algo de negativo para elas. Reagem com raiva pelo simples fato de sermos do modo como somos e isso lhes mostrar suas limitações e incompetências. É por isso que penso que se essas pessoas egoístas e invejosas conseguirem evoluir emocionalmente, o que implica em aprenderem a tolerar melhor as dores da vida, poderão perfeitamente se tornar criaturas portadoras das virtudes que tanto invejam. Tudo isso faz parte das nossas aquisições ao longo da vida e pode ser alcançado em qualquer idade. A verdade é que os egoístas gostam de mostrar que estão felizes mas não é verdade. Quem está feliz não age de forma agressiva – e gratuitamente – contra ninguém. Pessoa feliz não tem tanta inveja, não é tão insegura e ciumenta. É hora de pensarmos de forma mais séria sobre nossos valores morais e aqueles das pessoas que nos cercam. Uma sociedade que defina de modo mais claro o que são virtudes e o que são vícios ajudará tanto os adultos como suas crianças a evoluírem de forma mais rápida na direção da maturidade emocional e moral, condição fundamental para que as pessoas possam se sentir felizes, orgulhosas de si mesmas e, portanto, menos invejosas. Quem está bem se preocupa menos com os outros, com o que têm ou deixam de ter. Estão mesmo é interessadas em alcançar seus objetivos.
* Flávio Gikovate é médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor.
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